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29.12.10

Ano velho: aprendizado de uma caminhada

Tomei a esperança por companhia esse ano e o aprendizado como lema. Isso pra tentar crescer um pouco, ser gente grande e me tornar criança -- mesmo largando as coisas de menino. Voltar a voar mais alto, porque tinha esquecido como era sonhar, mas vivendo minha realidade mais de perto. Tive que aprender a ser responsável na labuta, por que agora sou formado e tenho muito trabalho. Não só o de trabalhar, mas de lidar comigo em outras retas e outros pontos -- finais, de interrogação, de exclamação, vírgulas, reticências, todos pontuando minha mente e meus atos. Tive (e ainda tenho) que lidar comigo numa caminhada de vários focos, onde preciso escolher um só: a verdade é o caminho e é por este que eu devo andar. Andar com meus valores afinados com meus passos, pois, na teoria, me dirigem para a morada de minha doce companheira. Quero trilhar estes passos na prática.

Bom é perceber outras companhias nesse trilhar. A amizade constrói minha alma e a família é meu porto seguro -- mesmo se neste há um temporal. E meus irmãos e irmãs dançam comigo, festejam nossa vida em comunidade, nossa vida de peregrino. Música boa sai do sorriso de todos eles, sinceridade da poesia de dividir o coração. Durante o dia ou madrugada a fora, estar acompanhado da sentido ao que é certo. E a caminhada traz mais ensino: bom é aprender a ser amado pelo que sou e deixar de ser útil para ser amigo. Bom é aprender dar sem barganhar, por que te torna livre para amar o humano inteiro e não o que ele pode te dar.

Eu vi coisas boas. É bom viajar com a irmã e conversar com ela. É bom receber viagem de irmãos. E primos e tios e uma festa de vô, outros primos e outros tios. É ruim sentir saudade de quem está indo. E de quem partiu e não volta mais é pior ainda. (É dolorido demais o peso da bagagem que a morte deixa com a gente. Mas é bom saber que ela vai sentir aquilo que ela nos faz sentir). É bom interpretar em palco o que se vive e viver aquilo que se diz acreditar. É bom liderar, aprendendo a ser liderado. É bom ouvir a voz que grita silencioso "sossegai mar revolto". E descansar. E voltar a andar no ritmo certo. É terrível esquecer o ritmo, o compasso, e dançar desajeitado é uma vergonha. É bom ver seus companheiros te lembrando do ritmo certo. Não estou sozinho mesmo. É bom sentir a esperança te beijar.

É bom reconhecer que o ano foi bom e sua bondade será carregada comigo, porque me tornou outro. O que me deu já faz parte de mim. Tudo bem que há lembranças de tropeços, paixões incompletas, falhas vergonhosas e omissões. Mas até isso faz parte do treinamento, da caminhada. Até isso minha companheira torna em coisa boa. Também pudera: sendo a esperança a filha do meu Poeta, seguiria por bandas diferentes? É claro que não. A certeza das coisas que se esperam provem deste que traz para o presente o vislumbre do que nos fortalece: um futuro pleno, com todas as coisas boas que pude experimentar este ano, mas sem nenhuma gota de lágrima -- a não ser de felicidade. Continuo caminhando, sempre esperando.

25.12.10

Observando a madrugada do natal

Vi um homem de 51 anos chorar como uma criança. E se não o conhecesse, não seria tão significativo como foi. Lamentava por não ver sua família próxima de si e afirmou várias vezes "vocês não tem ideia do que é pensar em vocês, meus filhos e minha esposa, todas as noites e desejar que estejam próximos de mim".

Nesse momento vejo sua esposa se levantar da mesa e dar-lhe um abraço. O filho mais velho, do lado oposto da mesa, de braços cruzados fixa-o com profundidade, com a testa enrugada e a expressão séria, reconhecendo o peso da cena de ver seu pai se abrindo daquele jeito. "Agora sim, ele se apresenta sem máscara", pensou. A filha do senhor, sentada à esquerda da mesa, derrama lágrimas tímidas e descansa o rosto sobre o braço apoiado na pedra fria. Seu choro não é, propriamente, por ver o pai chorar. Sua dor é tão profunda quanto a do pai, mas diferente: sente-se sozinha e incompreendida. Desenha no prato com a colher um tabuleiro de xadrez e permanece em silêncio enquanto escuta: "entristeço-me ao ver você triste e não dizer nada. Isso machuca muito".

Confesso, a cena me sensibilizou. Viver a minha vida é bem difícil, mas se torna pior quando não enxergo o sofrimento do outro. E enxergar esse sofrimento não significa tentar resolver o problema que leva seu próximo a chorar. Mas tentar compreender suas limitações e dificuldades (da mesma forma que reconheço ser eu limitado), além de compartilhar a própria vida nos momentos de tristeza e felicidade.

Ouço a oração do filho em sua mente "Deus, honre esse momento e restaure o que está quebrado". Foi uma oração diferente para uma noite de natal, mas totalmente pertinente. Afinal, o nascimento de Cristo, que é celebrado nesta data, marca no tempo e no espaço a era em que as coisas podem voltar a ser como eram: conduzidas e abençoadas pelo Criador de todas elas.

A mesma oração é repetida pelo filho ainda na mesma madrugada, quando este escuta outro mundo de dor. Não cabe dizer o que ele escutou, por ser muito pessoal a quem disse. No entanto o sofrimento de quem se derramou em lágrimas o fez se sentir impotente, incapaz de dizer qualquer palavra, certo de que nenhuma seria suficiente. A mesma oração de antes era cabida naquele instante: "Deus, restaure o que está quebrado, pelo seu Filho, que reconcilia contigo todas as coisas".

O "assim seja" desta oração deve ser o "Feliz Natal" que desejamos uns aos outros nessa data. Desejar que as coisas sejam renovadas e restauradas, reconhecendo que isso só é capaz por meio de Cristo, é almejar um Feliz Natal para si e para o outro.

Boas observações. Emocionante até. Espero que as conclusões sejam um prenúncio do que há de vir: restauração.