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23.11.08

o último abraço


Escreva um texto. Vamos! Não tenha medo de cuspir em poesias tudo o que sua lágrima ou seu sorriso tentam expressar. Tudo o que sua dor foi capaz de fazer com você: te ensinar! Todo lamento noturno e toda dança da alvorada. Toda solidão e toda a multidão. Todas as bolhas que se chocam, até se interceptam, mas não se fundem jamais.Toda sua alma, sua vida, seu luto...

Conseguiu?

Agora cante. Cante e peça pra que alguns amigos acompanhem sua música. Talvez ao som de uma flauta doce. Talvez ao som de silêncios profundos. Talvez ao som de um choro, que embala o recitar de um poema de dor. Deixe que eles sintam o "finco invertido, que sai de dento para fora". Deixe que eles entendam também o tamanho da sua dor e sua alegria.

Conseguiu?

Agora fique em silêncio. Só por 45 minutos, pelo menos. Contemple o que deveria ter sido preparado em mais de seis meses (mas o foi em semanas), refletir o que é graça e misericórdia divina. Veja sua vida exposta em um palco autêntico. Mas repare com muita atenção. As bolhas de seus amigos estão mais flexíveis. Talvez não totalmente estouradas. Mas parecem se fundir agora. A sua também está assim...

Conseguiu?

Agora olhe para trás. Não fixe seu olhar por muito tempo no passado. Apenas veja o que você aprendeu. Agora, olhe para o horizonte, para frente. Veja o nascer do sol e a beleza do raiar da esperança. Veja o consolo do Senhor: Ele não te desampara e você não se desespera.

Você percebe o que a coragem de viver seus sentimentos é capaz de fazer com você?
Ainda não?
Escreva um outro texto então. Escreva uma peça. Dê-lha o nome de "o último abraço". Olhe para os lados e observe que na bolha do outro também há dor. Chore (sozinho e com o outro). Aprenda com o sofrimento (o seu e o do outro). Pois essa, dentre todas as outras, é a opção mais atraente e a mais válida.

E enfim, quando terminado seus escritos, se precisar de alguém para interpretar sua peça, chorar seu luto, sorrir seus sonhos, de vez em quando eu dou uma de ator. Pode contar comigo para atuar com você. Talvez eu aprenda melhor como encenar uma realidade. E viva um abraço, que espero não ser o último.

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Esse texto é reflexo da expressão de sentimentos de uma amiga querida (Liz), idealizadora de um grupo de teatro (que não era pra durar mais de uma no rs), o ART 490. Recentimente tivemos a tarefa de representar a sua coragem de expor seus sentimentos e aprendizagens em forma de uma peça. Uma peça que nasceu diante do sofrimento da morte de um outro amigo, há dois anos. A peça, a princípio, eram poemas e músicas. Alguns de seus textos já vislumbravam o palco, desde o término das primeiras apresentações de "Eu em 4 pessoas" (primeiro trabalho cênico do grupo) em 2006. Essa amiga nos deu a tarefa de representar suas (e nossas) reflexões sobre, muitas vezes, a maioria de nós vivermos em bolhas e não nos preocuparmos com a dor do outro.

Além de uma homenagem à escritora, este texto é também um desafio para todos nós: aprendamos a viver a nossa dor com sabedoria, pois é fato que passaremos por sofrimentos; aprendamos a respeitar nossos sentimentos de luto e alegria; aprendamos a ver que "não é só na nossa bolha que há dor e que a dor pode ser muito mais amena quando choramos com os que choram".

6 comentários:

Ivny disse...

é regozijante saber que algumas bolhas já se interceptaram!
Um bom dia e um abraço...um dos muitos que ainda virão!

Alberto Vieira disse...

Oi Lucas!

Realmente as nossas bolhas estão mais flexíveis. Talvez não totalmente estouradas. Mas parecem começar a se fundir agora.


Foi mto bom trabalhar com vcs nessa peça. Olhar tudo acontecendo la de cima e poder refletir sobre cada frase dita....

valeu pela experiencia!


abração

A Maya disse...

Oi Lucas!

Lindo isso, gostaria de ver...

Um beijo!

Anônimo disse...

Lucas, eu adorei a peça, e toda essa reflexão...
Mais uma vez gostaria de te parabenizar e te dizer q além do seu talento, admiro muito a coragem e dedicação q vc coloca em tudo q faz!!!
Bjo

liz valente disse...

ver vcs em cena fora um presente. chorei porque senti que muitas coisas continuam reais. senti as coisas de dentro expostas, estavam ali pra fora, senti como se tivessem arrancado, mas eu que as arranquei, doeu.chorei novamente.. novas dores, novos lutos. valeu?.. valerá enquanto estivermos vivos!

Filipe Garcia disse...

Oi Lucas,

bonito texto!! E gostei do layout novo, também.

Abraço