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7.12.08

Beija-flor e o lírio


Foto: Gallery


Um dia desses passeava de carro pela reta da universidade com um amigo. Ele dirigia e eu observava de fora a minha rotina. Universidade, símbolo da busca pelo conhecimento moldado por grandes pensadores da antiguidade. Fábrica de fotocopiadoras e pessoas preocupadas apenas com resultados, coeficientes e um bom salário depois de formadas. Chega a ser indignante ver como sou dominado por essa rotina diária de forma tão sutil. Nunca há tempo para pensar que o estudar poderia ser um pouco mais divertido e seu fim poderia ser bem mais proveitoso do que só adquirir boas notas ao final do semestre, por causa de uma bolsa de iniciação que pretendo conseguir no ano seguinte. Nunca há tempo para ver que a lágrima de um amigo cai hoje em seu copo amargo de suco, enquanto me despeço rapidamente por ter que estudar para uma prova.

Bem, mas como estava dizendo, andava de carro pela universidade. Nesse momento me via apenas como espectador da peça da vida. Foi lindo perceber os elementos de cena, que normalmente passam despercebidos na correria. A belíssima orquestra de pássaros, regida pelo som dos ventos e do chacoalhar das folhas dançantes. O céu com seu dégradé: do azul para o rosa, por ser de tardezinha e a luz do sol pintar de forma espetacular belíssimas cores nas nuvens, que se espalham sobre a cabeça. O tom de verde da copa das árvores em perfeita harmonia com seu tronco marrom e o espetáculo, que acabei de descrever agora a pouco. Uma linda garotinha, toda branquinha, com seus cabelhos castanhos enroladinhos, segurando firme a mão de sua mãe. Ela toda bonitinha em seu uniforme, tinha suas sardinhas como espelho de sua alma infantil: alegria e singeleza. Eu esbocei um sorriso enquanto debruçava-me sobre a janela aberta do carro e o vento acariciava meu rosto. Foi então, em uma das giratórias da reta, pude perceber um solo em meio à todo aquele espetáculo de cores, música e mágica: um pequeno beija-flor faz congelar toda a vida em alguns segundo. E os lindos lírios, amarelos que só eles, suspiram por receber o beijo mais esperado do dia. E em toda sua leveza, o pequeno passarinho, depois de tirar suspiros de sua flor, descansa sobre uma de suas pétalas. O lírio balança levemente, só para acomodar melhor seu amigo enamorado. Voltei a respirar. E nesse instante, chamei a atenção de meu amigo para o que acabei de ver.

“Ah! Pára Lucas! É apenas um colibri pousando em cima de um Lilium longiflorum. Deixa de sentimentalismos. Temos prova daqui a pouco.”

Ele sabia muito bem a matéria. Mas como espectador pude comprovar minha teoria: a graça escorre por entre os dedos e a beleza se perde enquanto somos transformados em máquinas fotocopiadoras, reprodutoras de saberes preto-e-branco.

Depois reclamamos que a vida não faz sentido... Não deixamos os beija-flores beijar nossa alma.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ah...q lindo Lucas!
Realmente a correria de todos os dias nem sempre nos deixa perceber essas belezas tão singelas q podem tocar profundamente nossas almas.
Eu sou suspeita a falar, pois as coisas mais simples da natureza conseguem me emocinar muito.
Quero te parabenizar mais uma vez pelo dom de brincar com as palavras e por conseguir enchergar tão facilmente aquilo q pessoas passam a vida inteira procurando, provas da presença de Deus.
Bjos.

GB Silva disse...

Lembrei-me do dia em que eu pedalava na reta igual doido até que olhei para as arvores e percebi a grande beleza dos ipês. Parei, desci da bike e fui andando: percebi a lagoa, os pássaros, as pessoas... foi muito bacana perceber tanta beleza num lugar que se passa tão rápido.

Lembro tambem um domingo, que viajei nas famílias que brincavam em frente ao centro de vivências: crianças correndo e os pais atrás, desengonçados, mas lá, com seus meninos!

Sem beleza o mundo não teria graça.

Belo texto, otima reflexão!

Abraços

Eolo, Senhor dos Ventos... disse...

É... essa reta nos surpreende vez ou outra.
Ótima reflexão...
Ah, curiosamente, achei teu blog na lista de blogs de um amigo meu.
E ao ler a 1ª frase do texto pensei: Tá em Viçosa também rsrsrs
Bela universidade essa nossa, não é?

Até mais.
^^

A Maya disse...

Eu tenho um medo danado de passar correndo pela poesia...


um beijo...

Anônimo disse...

Oi Luquinhas! Que saudades de comentar no seu blog!..rs...rs Seus textos sempre enchem minha alma de imagens e poesia! Realmente os verbos parar e contemplar não têm feito parte das nossas vidas, uma pena! Mas felismente seus textos dão um stop nessa nossa rotina, que bom! Bjos